Sempre fui uma pessoa discreta, desde os meus tempos de seminário até ter ido para a Capital, estudar no ensino superior.
No primeiro ano conheci rapazes lá no lar, filhos de pessoas abastadas, que me pediam para lhes fazer companhia nas sucessivas e longas noitadas. Por isso, e como convidado aproveitava para gozar, conhecer gente e beber uns copos nas "capelinhas da noite", graciosamente.
Foram uns tempos de mudança, pois devido á austera educação provinciana, agora era o senhor de mim próprio, sem ninguém a vigiar ou ralhar.
Entrar com os meus amigos naquelas casas e ser cumprimentado com vénias, sabia - me realmente bem. Senti que estava a sofrer uma metamorfose.
As noitadas dia, após dia, desde Outubro, exigiam um esforço a que não estava habituado. Um dia,em Janeiro, ao procurar -me escusar de uma "seca" de ir ao Estoril Sol, o Julio "Alentejano", foi severo e directo comigo: Ou te estás nas tintas para os estudos como eu, que por cá já ando há 9 anos, ou piras-te e não apareças mais.
Acreditei piamente no que ele me disse, pois era um dos que sobornava o porteiro do lar não só para entrarmos ás horas que queriamos mas também para levar gajas para o quarto. Era também favorito do Director do lar pois o pai dele, grande latifundiário, dava avultados donativos para o lar, e até pagou o pavilhão desportivo novo.
Foi um dilema e a minha primeira preocupação em como lidar com a vida, ou seja, com certas pessoas não se pode negociar. Ou é sim ou não. O poder dá - lhes esse pedestal em que nós, aqueles que somos dependentes, temos que optar ou em aceitar ou recusar.
Aceitei, convicto que tal não implicava "vender a alma ao diabo".
Júlio, sabes que estou aqui no lar por benesse da minha madrinha Clotilde e sabes bem que o marido, como Ministro que é não tolera que chumbe.
As palavras foram sinceras e tremidas. O Júlio apesar de Alentejano nascido e vivido nas suas muitas herdades, olhou para mim e disse - me:
O nosso grupo é numeroso. Todos gostamos de provincianos como tu que dão uma lufada de ar fresco ás fastidiosas repetições com o vosso vislumbre pela novidade. Os que já se formaram estão em lugares de Poder e ligados a esta casa. Não te preocupes com os Senhores professores ou com as faltas. Eles precisam de nós e se chumbares na primeira época passas na segunda pois é preciso salvar as aparências. Quanto ás faltas também já sabes que assinam por ti a folha. Que mais queres?
Ele falou sério, muito sério. E verdade....
E nesse mesmo tom de voz, mas sem pronuncia alentejana disse -lhe:
Júlio, sabes que a vossa amizade está acima de tudo. Garante - me isso que dizes e continuaremos as tainas. E até tenho óptimas ideias novas para nos divertir.
Está dito e o que digo é uma escritura, comentou secamente o Júlio. Até logo, encontramos -nos no bar ás 8h. Agora vou dormir.
Na Faculdade ia lá sempre por volta do meio dia para assegurar que era visto e que o contínuo das faltas não me tinha sinalizado. Também aproveitava para saber o que se tinha passado e a matéria dada.
Tinha em Outubro meti conhecimentos com um colega da Associação de Estudantes uma das vezes que ia comprar um fascículo da sebenta. Convidava -o para uma bica e no bar, porque ele também era meu condiscípulo de turma aproveitava para falar na aula e na matéria. Assim, com uma conversa de 15 minutos, ficava inteirado das aulas da manhã.
Foi esse colega que mêses mais tarde, á custa do convívio diário da "bica" veio a introduzir - me nos meandros da Associação Académica. Alfacinha cem por cento, recém estudante universitário, pensava ele que me iria doutrinar para ser mais um dos operativos do partido. Dôce ilusão dele que alimentei durante 5 anos.
1 comment:
Têm memória...? quiçá, mas muito selectiva!
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